Da terra sangrenta, um ser de barro escuro toma forma
Da terra nasce primeira filha
sua carne, a carne da terra
Ela sabe, corpo que sabe
sentir a textura e os cheiros dos seres todos que habitam ao redor
ser terra
ser rocha
ser raíz
ser tronco
ser pele
ser pêlo
Ela tem olhos de vaca
seu olhar é plácido
contempla a beleza do que é
.
> Julia Francisca, 2015.
[será essa uma Lilith em Touro?]
[Imagem: Estatueta feminina mais antiga já encontrada, produzida entre 25.000 e 22.000 a.C.
“Vênus de Willendorf”. Possui 11 cm e encontra-se no Museu de História Natural de Viena.]
as rochas guardam o cântico silencioso da terra dentro de si
surgem as feras
feras rasgam a terra
saem ensanguentadas a correr e urrar
suor das feras carrega canção silenciosa dentro de si
surgem animais
nos pelos penas dentes escamas órgãos patas
manchas de terra punhado de silêncio
terra aos poucos se faz carne
músculos veias órgãos ossos tripas
nasce primeira mulher
escorre leite dos seios da primeira mulher
leite forma poças poços lagos rios corredeiras oceanos
águas dançam
cada uma a seu ritmo entoam a música terra
despertam o vento
vento sacode os cabelos da primeira mulher
cabelos entram na terra
saem raízes e árvores
árvores tocam os céus
com o afago das folhas
céus se comovem
choram
sementes gotas caem na terra
povoam ventre das feras animais mulher
todos os ventres carregam o cantar da terra
em todo seu silêncio
Julia Francisca, 2012
[ Essa é uma espécie de cosmogonia pessoal, onde o princípio feminino fecunda a si mesmo. Faz parte de um projeto de vida chamado “Mitologias Íntimas”. Eu sempre preciso de um pouco de coragem para trazer essas coisas ao mundo… ]
Pessoal, mês que vem vai rolar a oficina de astrologia e arte “Lilith e as representações da Mulher Selvagem” no Centro Cultural da Juventude. Chamem as amigas! ♥
Dias 10 e 17/out, sábados, das 15h às 18h.
Oficina gratuita. Apenas para mulheres. 20 vagas.
Inscrições a partir de 22/set, no site www.inscricoes.ccj.art.br
>>> Oficina: Lilith e as representações da Mulher Selvagem
A oficina parte de uma pesquisa a respeito de Lilith (Lua Negra) na Astrologia e as representações da Mulher Selvagem na arte e na mitologia. A proposta é criar um espaço acolhedor apenas para mulheres, onde elas possam pensar juntas o caráter incivilizado e rebelde do Feminino. Haverá oportunidade para roda de conversa, criação e compartilhamento de produção literária e artística. Cada mulher que irá participar da oficina está convidada a levar seus textos, depoimentos, desenhos, referências e pesquisas sobre o tema.
Com Julia Francisca, astróloga e artista plástica, autora do blog Trama Celeste.
Trabalho de land art do artista Walter de Maria, “The Lightning Field” (1977).
se a vida é um tecido aberto em eterna costura, Urano é o próprio tecer da vida
com Urano atravessamos a ponte
a ponte cai
o que temos então é a fenda-fresta
não há retorno possível, lugar de origem
o raio subitamente ilumina
as linhas agora, são linhas de fuga
apontam para o estranho vir-a-ser do mundo
é possível dar passagem ao raio?
se entregar ao espanto ?
“Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão – e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir.”
Clarice Lispector. Trecho do conto “Amor” extraído do livro “Laços de Família”, Editora Rocco – Rio de Janeiro, 1998, pág. 19.